Pitágoras foi o primeiro a descobrir proporcionalmente a distância dos intervalos musicais. Ao esticar uma única corda, descobriu que vários sons podem ser obtidos conforme a vibração emitida na mesma corda. Quando dividiu a corda no meio, percebeu que alcançou uma oitava da primeira nota que havia tocado. Quando dividiu 2/3 da corda, obteve uma quinta da mesma nota tocada. E quando dividiu 3/4, obteve a quarta. E foi a partir do descobrimento destas proporções que surgiu a escala diatônica, cujas sete notas musicais - dó, ré, mi, fá, sol, lá e si - nós aprendemos desde crianças. Todavia, além das sete notas musicais, encontramos na escala cromática uma outra categoria de notas: os sustenidos e bemóis. Os sustenidos e bemóis são as menores distâncias que nós encontramos entre as chamadas sete notas naturais. Para que fique claro: entre a nota dó (C) e a nota ré (D), encontramos o dó sustenido (C#); e se lermos a escala em sentido decrescente, teremos um ré bemol (Db). Justamente pelo fato do sustenido ou bemol ser a menor distância entre um tom e outro é que o chamamos de semitom ou meio-tom (seja ele sustenido ou bemol). A semelhança sonora que há entre o tom e o semitom é tamanha que, a menos que se tenha o chamado "ouvido absoluto", é desafiador distinguir um som do outro sem enxergar o instrumento em que estão sendo tocados. Mas ainda há mais. Os sustenidos e bemóis também são convenientemente chamados de acidentes musicais. Mas por quê? Durante muito tempo me perguntei o porquê o sustenido e o bemol se encaixam em um grupo chamado de acidente, mas nunca obtive uma resposta convincente - isso porque sou músico e estudo música há mais de quinze anos -, e isso quando não me deparava com outros problemas internos que geram até hoje discussões no universo da música - como a velha querela do mi sustenido. Sucede porém que, ao estabelecer uma relação entre a música e a filosofia, talvez eu tenha encontrado uma razão que solucione o problema. Portanto, convém ressaltar primeiramente a definição de acidente e de substância na filosofia antes de partimos para o porquê dos sustenidos e bemóis se chamarem também acidentes. Acidente é tudo aquilo que não existe por si, mas em outro. E a substância, em contrário, é aquilo que existe por si mesmo. O homem, por exemplo, não é acidente (embora os possua), mas substância. Um homem pode ser branco ou negro, e a sua cor é simplesmente um aspecto acidental seu. A sua essência não muda a depender da cor de sua pele ou de sua altura. O homem alto não é mais homem que o homem baixo, justamente porque a sua altura é algo que lhe é acidental, em nada diminui ou acrescenta à sua essência animal racional. A cor (que é um acidente de qualidade) de um ente só pode existir em um ente, jamais por si mesma; o branco só é branco enquanto está no urso polar, por exemplo. Não é possível que brancuras saiam por aí como fazem as substâncias. Quando analisamos o sistema das chamadas sete notas naturais, percebemos que estas são analogamente como as substâncias que existem no mundo real, ao passo que os sustenidos e bemóis são como que uma curtíssima extensão destas mesmas notas naturais. É como se o dó sustenido (C#) só pudesse existir enquanto se servisse da proporção que há entre dó (C) e ré (D). E o mesmo serve para todos os demais semitons. Isso explica de forma mais coesa o porquê que alguns defendem a existência do chamado mi sustenido: se se considera o sustenido/bemol como um acidente de quantidade da nota natural mi, então o mi sustenido existe. Mas, insista-se: o mi sustenido só poderia existir enquanto um acidente do mi natural. O homem possui uma cor e pode ser branco ou negro; mas a "brancura" ou "negritude" não pertencem à sua essência. Do mesmo modo, o dó possui um sustenido, que é uma pequena extensão daquela vibração que se obtém ao tocar a nota dó, ainda que possuir sustenido é algo absolutamente acidental ao dó. O sustenido/bemol está para a nota natural assim como a brancura/negritude está para o homem. Talvez o problema esteja longe de ser resolvido. Com certeza há outros estudiosos com uma capacidade infinitamente superior à minha para enfrentar essa mesma questão. Todavia, deixo aqui a minha pequena contribuição, e espero com muito entusiasmo que o presente artigo ajude a elucidar algumas das noções que são de extrema importância para a música. Também anuncio por intermédio deste artigo que no segundo semestre de 2025 estarei lançando um curso de Música para a Sociedade, e contarei com a contribuição de mestres como o professor Carlos Nougué para ministrar um dos módulos! Todos se sintam convidados para assinarem a Sociedade e se beneficiarem com todos os nossos cursos de doutrina católica, filosofia e idiomas clássicos. São Gregório Magno, rogai por nós!