Quando se deve lutar pela pátria

   Recentemente, o professor Tiago Rossmann e eu tivemos uma discussão acerca de quando se deve lutar pela sobrevivência da própria nação. A discussão se originou após a dúvida de um de nossos alunos no grupo de interação e dúvidas do Whatsapp. Para que a questão fique maximamente elucidada, transcreverei a sua pergunta: "Embora o presidente desse país seja corrupto, se o Brasil se meter em uma guerra valerá a pena lutar pensando na minha família e não necessariamente no governante?". Ao que respondi: "Não é questão de valer a pena (lutar pelo governante e pela família). Uma guerra é uma NECESSIDADE e você TEM que lutar para defender a sua própria pátria, onde está incluída não somente o governante (seja ele um tirano ou um santo), mas também a sua família, a sua propriedade, os seus amigos, a Igreja. É um DEVER MORAL lutar até a morte se for necessário". Ênfase para o grifo que aqui faço.
   
Ao meu ver, a resposta me pareceu suficientemente clara por si mesma, sobretudo pela condição última que coloquei "se for necessário". Todavia, antes de investigarmos com mais profundidade a questão, vale ressaltar aquilo que é unanimidade não só para mim e para Tiago, mas também para os Papas e santos Doutores da Igreja: quando há justa causa social e civil, guerrear contra nação X ou Y é absolutamente lícito e NECESSÁRIO por se tratar de legítima defesa social. É o que diz muito claramente Santo Tomás (Suma Teológica II-II, q. 40, a. 1) ao elencar três condições necessárias para uma guerra justa:

   "Para que uma guerra seja justa, são requeridas três condições:

   1ª. A autoridade do príncipe (aqui se deve entender a autoridade legitimamente constituída), sob cuja ordem deve-se fazer a guerra. Não compete a uma pessoa privada declarar uma guerra, pois pode fazer valer seu direito no tribunal de seu superior; também porque convocar a multidão necessária para a guerra (novamente aqui se deve entender as forças armadas do país) não compete a uma pessoa privada. Já que o cuidado dos negócios públicos foi confiado aos príncipes, a eles compete velar pelo bem público da cidade, do reino ou da província submetidos à sua autoridade. Assim como o defendem licitamente pela espada contra os perturbadores internos quando punem os malfeitores, segundo esta palavra do Apóstolo: 'Não é em vão que carrega a espada; é ministro de Deus para fazer justiça e castigar aquele que faz o mal' (Rm 13, 4), assim também compete-lhes defender o bem público pela espada da guerra contra os inimigos do exterior.

   2ª. Uma causa justa: requer-se que o inimigo seja atacado em razão de alguma culpa. Por isso Agostinho escreve: 'Costumamos definir como guerras justas aquelas que punem as injustiças, por exemplo, castigar um povo ou uma cidade que foi negligente na punição de um mal cometido pelos seus, ou restituir o que foi tirado por violência'.

   3ª. Uma reta intenção naqueles que fazem a guerra: que se pretenda promover o bem ou evitar o mal. Por isso Agostinho escreve: 'Entre os verdadeiros adoradores de Deus até mesmo as guerras são pacíficas, pois não são feitas por cobiça ou crueldade, mas numa preocupação de paz, para reprimir os maus e socorrer os bons'. Com efeito, mesmo se for legítima a autoridade daquele que declara a guerra e justa a sua causa, pode acontecer, contudo, que a guerra se torne ilícita por causa de uma intenção má. Escreve Agostinho a propósito: 'O desejo de prejudicar, a crueldade na vingança, a violência e a inflexibilidade do espírito, a selvageria no combate, a paixão de dominar e outras coisas semelhantes, são estas coisas que nas guerras são julgadas culpáveis pelo direito'”.

   Porém, se o chefe da nação — e aqui incluo os príncipes, os reis, os imperadores, os presidentes e demais governantes de todo o mundo — for um tirano, ainda será válido o ensinamento de Santo Tomás e do Magistério católico? Aproveito do questionamento para afirmar peremptoriamente aquilo que eu NÃO defendo e, portanto, NÃO assumi como premissa na discussão com o professor Tiago Rossmann:

  • Guerrear sem JUSTA CAUSA constitui pecado mortal e, portanto, não é o ponto abordado aqui;
  • Guerrear EM PROL de um GOVERNO tirano (como em ditaduras comunistas) e de uma ideologia nefasta também constitui pecado mortal;
  • Guerrear contra uma nação e um governo inocentes constitui, também, pecado mortal.


É absolutamente necessário que estas três premissas sejam aceitas no debate, a fim de que discutamos argumentos concretos e sérios, não espantalhos. Assim sendo, portanto, penetremos mais detidamente a querela em questão.

   Se observarmos tão somente a pergunta do aluno (que foi o que procurei fazer desde o início), veremos que os termos são um tanto quanto evidentes acerca daquilo que ele gostaria de saber: a motivação para que lutássemos não seria PELO tirano, mas APESAR dele; ao passo que a motivação principal seria a defesa de sua família. Mas há que ser feitas algumas correções. Como outro aluno muito bem observou na mesma discussão, a hierarquia dos bens a serem defendidos não podem começar com a família, mas com Deus; de modo que a seguinte ordem deve ser obedeci

  • Em primeiro lugar, o homem deve entregar-se (seja em uma guerra ou em qualquer outro campo da vida) a Deus e lutar pela sua Igreja, pois é de preceito natural amar o Criador acima de todas as coisas, o que inclui, necessariamente, a família e todos os outros bens. Disse Nosso Senhor que este é o maior de todos os mandamentos: “Respondeu Jesus: ‘Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito'” (Mt 22,37). E no mesmo Evangelho: “[…] mas aquele que sacrificar a sua vida por minha causa, irá recobrá-la” (Mt 16,25);
  • Em segundo lugar, o homem deve lutar pela sua família, tanto a que ele mesmo formou (esposa, filhos, netos e etc) como também a que lhe formou (pai, mãe, irmãos);
  • Em terceiro lugar, o homem deve lutar pela sua pátria, o que engloba todas todos os cidadãos e também as famílias inocentes, desamparadas e que pertencem à sua pátria. Insista-se quanto ao dever — que ampara-se, sobretudo, na virtude teologal da caridade e que jamais deixará de existir (1 Cor 13,8) — de lutar e prestar os serviços necessários pelos seus em virtude do amor à pátria, como diz o Papa João XXIII em sua Encíclica Summi Pontificatus: “Esta formação deve certamente ter por finalidade também preparar a juventude para cumprir com inteligência, consciência e galhardia aqueles deveres de patriotismo que dá à pátria terrestre a devida medida de amor, de dedicação e colaboração. E todo o dito até aqui resume-se, mais uma vez, no princípio universal da caridade; princípio este que deve ser seguido por todos, pois é o Senhor mesmo quem diz: “Amai o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). E em outro lugar: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15,13).

   
Conservada essa hierarquia de bens e de piedade para com a Igreja e para com o próximo, pode-se considerar perfeitamente a intenção primeira de nosso querido aluno: APESAR de termos um governante tirano e corrupto, lutaremos pela PÁTRIA não em virtude de sua tirania e de seus crimes, mas por amor primeiramente a Deus e à sua Igreja, às nossas famílias e ao nosso povo. Razão por que em uma pátria se reúne desde os mais santos até os mais maldosos homens, sem que, por isso mesmo, a pátria deixe de ser pátria. Portanto, quando derramo o meu sangue por amor à minha nação contra um país invasor, o faço conservando aquela hierarquia exposta acima, APESAR de saber que o meu sangue será derramado, consequentemente, pelos ladrões, pelos corruptos e pelos estelionatários que dividem comigo a mesma pátria.


E agora a coisa começa a ficar cada vez mais cristalina. Mas ainda há mais. Quando eu disse que é um DEVER MORAL lutar em uma guerra num país em que o chefe de Estado é um corrupto, fica claro que esta mesma guerra não seria outra senão uma guerra justa e que o bom combate seria não em defesa da corrupção do tirano (do contrário já não seria mais guerra justa, afinal), mas ele seria involuntariamente beneficiado pelo meu serviço em ordem à proteção dos bens já expostos — assim como se beneficiariam os homens santos e os sacerdotes de um lado e os bandidos e inimigos da religião do outro. Por sinal, voltemos àquilo que disse no final de minha resposta ao aluno: "É um DEVER MORAL lutar até a morte se necessário". Ora, quando NÃO é necessário morrer lutando em uma guerra? a) Quando a autoridade do governante legítimo da nação não há convoca; b) Quando não há justa causa; c) Quando não há reta intenção naqueles que fazem a guerra. É isso que ensinou o Doutor Comum da Igreja, como expus no início do presente artigo. É isso que ensinou também Santo Agostinho, a quem Santo Tomás recorreu para o desenvolvimento de tão salutar doutrina.

QUALQUER COISA que infrinja as três condições acima (sobretudo as duas últimas) não pode se dizer católica. A própria ideia de guerra (uma nação contra a outra) desagrada a Deus, e por isso só pode ser considerada por um católico se for, de fato, uma necessidade. Não é necessário que nos reviremos muito para entender isso. Também diz (tratando igualmente da guerra justa) o Catecismo da Igreja Católica (parágrafo 2310) que:

"Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar são servidores da segurança e da liberdade dos povos. Na medida em que desempenharem como convém esta tarefa, contribuem verdadeiramente para o bem comum e para a salvaguarda da paz". Como se vê, nada diferente do que afirmei até agora.

Convém, por último, reforçar ainda mais um ponto que considero importante. Se a guerra é convocada pelo governante tirano, ainda será lícita a nossa participação? Respondo que, antes de mais nada, não é porque o tirano é tirano que toda decisão sua será, por conseguinte, tirana. Se um chefe de estado liberal defende a liberação do aborto, das drogas, o laicismo, se declara abertamente anticristão mas, todavia, convoca uma guerra para que a nossa nação não seja invadida e tomadas pelos comunistas, não estará certo ele em resistir e convocar uma guerra contra os inimigos de fora? Perceba que não se trata de defender o "lado certo" da força, uma vez que o cidadão brasileiro se deparará com dois lados errados, mas sim em defender a integridade de todos aqueles bens já expostos e hierarquizados anteriormente. Se fosse o caso, lutaríamos não porque somos liberais, mas porque somos cidadãos, chefes de família, filhos de uma mesma pátria, e o nosso país estaria sendo invadido por um exército maligno disposto a tomar as nossas terras e os nossos territórios (coisas que nos pertencem por direito, diga-se de passagem, uma vez que todo homem tem direito à propriedade, à vida e etc).

Desta forma, mais uma vez nos encontraríamos na velha máxima já exposta: lutar pela nossa nação, APESAR de nosso governante. Fica claro, através do próprio bom senso, que não é pelo fato de um homem ser tirano que todo ato seu será, necessariamente, mau (por mais que naturalmente esperemos isto). Assim como de um santo se espera virtudes, mas nos é narrado que até os homens santos (São Pedro, São Tomé, o rei Davi e etc) pecaram gravemente contra Deus, também de homens maus esperamos atos maus, por mais que possa (contrariamente à sua maldade) fazer algum bem. Portanto, diante de uma ameaça civil, mesmo um governante corrupto pode tomar uma decisão prudente em ordem ao bem da nação, e não é pelo fato mesmo de ser corrupto que não defenderemos os nossos (em especial a nossa família) contra um inimigo.

Não seria necessário (julgo pura perda de tempo, aliás) ter que explicar aquilo que não precisa de explicação: que em meio a governos que promovem a guerra violando as três condições elencadas por Santo Tomás não há nem necessidade e muito menos o dever de guerrear. Como eu antecipei nas primeiras linhas deste artigo, atacar uma nação inocente (sobretudo em defesa de uma ideologia nefasta como o nazismo, o comunismo e etc) constitui PECADO MORTAL e, portanto, sequer deve ser considerado numa discussão séria entre católicos. O que não exclui a luta pela própria sobrevivência (estamos falando de uma GUERRA) individual, de sua propriedade, de sua família, amigos e etc. Que quero dizer? A questão é mais simples do que parece: numa guerra, é natural que o Estado atacado contra-ataque, sem se importar se os cidadãos inocentes do Estado atacante se machuquem ou morram. É lógico que em uma Alemanha nazista não é lícito tomar parte na guerra — e justamente por não tomarem parte que muitas famílias morriam ou eram presas por tentarem ultrapassar as fronteiras, quase sempre cercadas e bloqueadas por soldados.

Porém, se um grupo de soldados americanos, justamente em condição de contra-ataque aos alemães nazistas, invadir uma cidade alemã para fins de bombardeio, é evidente que o pai de família (que nada tem a ver com a guerra) deverá lutar contra os americanos para proteger a si mesmo e a sua família. É óbvio que o pai de família não lutará pela disputa ideológica (e sequer quererá tomar parte no exército nazista, uma vez que o nazismo é um regime satânico e não deve ser defendido), mas pela sua própria sobrevivência. Refiro-me aqui, para que fique ainda mais claro, às situações mais extremas possíveis (como é o caso do genocídio alemão dos nazistas ou o dos comunistas) e levando em consideração aquilo que o INOCENTE deve fazer. E a fuga (quando possível) é e sempre será o melhor caminho.

Creio eu que consegui elucidar precisamente aquilo que defendi desde o início da discussão. O professor Tiago Rossmann é o meu grande amigo e irmão, sujeito inteligentíssimo e altamente competente. Não tenho dúvidas que a discussão será mui frutuosa. Todavia, insisto em cada um dos pontos que abordei e insisto mais ainda em enfatizar tão somente aquilo que eu DISSE e NEGAR amplamente aquilo que é objetivamente contrário ao ensinamento católico (como a guerra em prol do tirano).

São Gregório Magno, ora pro nobis.

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